PREFÁCIO:
Véra Maria Jacob De Fradera
Doutora (2002) e Mestre (1994) em Direito pela Université Paris II. Professora Aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora visitante nas Universidades Paris II, Université Rennes I, Estrasburgo, Veneza, Burgos, León, Buenos Aires e Trieste. Árbitra, parecerista e advogada.
Convidada pelos autores a prefaciar esta obra, intitulada DIREITO CONTRATUAL DO MERCOSUL: O PAPEL DA HARMONIZAÇÃO JURÍDICA NA CONSTRUÇÃO DE UM DIREITO COMUNITÁRIO, a ser publicado pela Editora CRV, com muito gosto aceito o seu gentil convite, pois há anos me interesso pelo assunto e venho acompanhando atentamente a construção do Mercosul, embora, passado o entusiasmo inicial, os Poderes Públicos dos seus países membros tenham deixado absolutamente de lado a sua implementação. Mas, como bem dito pelos autores deste livro, o Mercosul não constitui uma missão impossível, e eles o demonstram ao sugerir, de forma bastante inspirada, algumas criativas soluções para desenvolver, pelo menos, um aspecto crucial para o seu revigoramento, qual seja, o da circulação de bens, destacando, de forma muito esclarecedora, o papel dos contratos, cuja relevância é inegável.
Com efeito, o empenho em encontrar formas alternativas para implementar as trocas no Mercosul é de fundamental importância, pois, embora se reconheçam outras causas para a estagnação desse projeto, já tão antigo, estando o principal motivo desse desinteresse pelo desenvolvimento do Mercado Comum do Sul assentado em razões de cunho econômico, além, claro, certas diferenças existentes entre os países membros desse mercado, apontadas pelos autores, assim como, em sentido inverso, os aspectos suscetíveis de aproximar os estados membros, com muito mais facilidade do que na UE.
Ora, ao fundar seu estudo no contrato, os autores procuram apontar possíveis soluções para o incremento das relações intracomunitárias na região, pois, ao se estabelecerem trocas entre particulares, cidadãos membros dos Estados integrantes do Bloco, haverá, necessariamente, um incremento econômico considerável.
Conquanto sejam reconhecidas as dificuldades para implementação do Mercosul, existem, conforme assinalado pelos autores desta obra, mecanismos suscetíveis de tornar exitosa a sua construção e continuidade, naquilo referente à harmonização jurídica, verdadeiro elemento chave para tornar realidade o Mercado regionalizado do Sul.
Como é de conhecimento de todos, é no plano dos contratos, onde abundam as diferenças identificadas nos Códigos Civis dos países membros, bastando, neste aspecto, evocar o recente Código Civil e Comercial da Nação Argentina, em vigor a partir de 2015, tão diferente do nosso em múltiplos aspectos, a começar pela sua atualidade e atenção à esferas jamais cogitadas pelo nosso legislador, dado ter sido apresentado o nosso projeto em 1975, quando o Mundo, e sobretudo o Brasil, eram bem diferentes.
Com efeito, a obra ora prefaciada, desenvolve uma análise do estado em que se encontra a regulação jurídica entre os países membros do Mercosul, apontando, um a um, os aspectos todavia longe de serem enfrentados por todos os legisladores do Bloco.
Tendo em vista um aspecto da obra de meu particular interesse, além de considera-lo o mais relevante para o objetivo de alavancar o Mercosul, devo analisar o que considero o hard core desta obra, qual seja, a criação de uma expressão inovadora, cunhada pelos autores, o direito contratual comunitário, significando um conjunto normativo – em matéria contratual – que, de forma harmonizada proporciona um ambiente de segurança jurídica e de previsibilidade nas relações jurídicas a serem firmadas no seio de um bloco de integração regional.
Os autores traduzem os termos dessa definição, elucidando tratar-se de direito comunitário, porque remete ao conjunto de regras adotadas por um determinado bloco para regular as relações multilaterais entre os Estados membros, e é contratual, porque se cinge a regular as relações contratuais, ressaltando-se a relevância desses instrumentos para o desenvolvimento da integração econômica.
Os autores expõem a forma como o direito contratual foi harmonizado na UE, mediante as tão originais Diretivas, inexistentes entre nós, no sentido atribuído pelo Direito Comunitário, para então sugerir um processo adaptável ao nosso Bloco, enfatizando a nossa especificidade, qual seja, a todavia inexistente relação de supranacionalidade entre os membros do Bloco e os Órgãos Supranacionais.
Desta sorte, reconhecendo a fragilidade institucional do Mercosul, criação de um Direito contratual “comum” poderá vir a ser concretizada pelo recurso a métodos não tradicionais, os quais, ainda que de forma indireta, poderão promover um cenário de normatização “comum” em matéria contratual.
Os autores referem, com acuidade, outros possíveis instrumentos passíveis de regular as trocas no Mercado regionalizado do Sul, por exemplo, a Convenção de Viena de 1980 sobre Venda Internacional de Mercadorias, da qual todos os membros são signatários, os Princípios Unidroit, o Código Europeu de Contratos, as regras da CIDIP e outros.
Ao finalizar estes comentários introdutórios à obra de Silveira e Glitz, gostaria de enfatizar um aspecto original neste estudo, qual seja, o do recurso a uma função atualíssima do Direito Comparado.
Embora os autores afirmem não terem recorrido a essa ciência, efetiva mente, o fizeram, mas não no seu sentido clássico.
De acordo com o meu pensamento, eles recorrem, inegavelmente, a uma nova perspectiva dessa ciência, a de realizar uma abertura das diversas Ordens Jurídicas da região a ser integrada num Mercado Comum, recepcionando modelos de soluções exitosas em outras paragens (mais ou menos o que o Brasil fez por séculos, enquanto Colônia e, depois da Independência, na ausência de um Código Civil).
A sugestão de buscar instrumentos internacionais para aproximar e em consequência, movimentar a circulação de bens no espaço integrado do Mercosul, é realmente inteligente, prática e facilmente exequível nesse espaço.
Assim, a integração econômica no Mercosul será obra, em grande parte, dos particulares, ocupando o espaço inexplicavelmente negligenciado pelo Poder Público.
Ao finalizar este prefácio, ao mesmo tempo em que cumprimento os autores pelo trabalho realizado, formulo meus votos de sucesso para a sua obra.
Porto Alegre, julho de 2020.
REFERÊNCIA: SILVEIRA, Marcos Henrique; GLITZ, Frederico E. Z. Direito Contratual do MERCOSUL: o papel da harmonização jurídica na construção de um Direito Comunitário. Curitiba: CRV, 2020.